Estudo comprovou que a rede pública tem capacidade para ofertar o cateterismo cerebral, considerado um dos mais eficientes tratamentos para o AVC
O AVC ocorre quando os vasos que transportam o sangue para o cérebro rompem ou entopem, provocando paralisia na área cerebral que ficou sem circulação sanguínea.
O acidente vascular cerebral (AVC) é a doença que mais mata a população brasileira, além de ser a principal causa de incapacidade no mundo, segundo a Sociedade Brasileira de Doenças Cerebrovasculares (SBDCV). Nesse cenário, é fundamental desenvolver métodos de tratamento capazes de evitar não apenas a morte, mas o risco de sequelas que condenam muitos pacientes à dependência locomotiva e financeira. Também é importante garantir que esses tratamentos sejam disponibilizados para toda a população.
Existem dois tipos de AVC, o isquêmico e o hemorrágico. O primeiro, caracterizado pelo entupimento dos vasos que transportam sangue para o cérebro, é responsável por 85% dos casos da doença. As opções de tratamento são: trombectomia mecânica, também conhecida como cateterismo cerebral, ou alteplase intravenosa.
A trombectomia mecânica é realizada por meio da inserção de um cateter (um tipo de tubo) dentro de um vaso sanguíneo. Para o AVC, o cateter é inserido em uma artéria da virilha e, por meio de equipamentos de raio-X, os médicos conduzem o tubo até o cérebro, retirando o coágulo mecanicamente. Já a alteplase (TPA, na sigla em inglês) é um medicamento aplicado de forma intravenosa. Uma vez dentro da corrente sanguínea, a substância chega até cérebro e dissolve o coágulo.
O cateterismo cerebral é considerado um dos tratamentos mais eficazes contra o AVC, porém no Brasil só é realizado na rede privada, de forma limitada. Um dos empecilhos para seu oferecimento no Sistema Único de Saúde (SUS) é a complexidade e o alto custo.
Uma equipe de pesquisadores brasileiros decidiu investigar o desfecho do oferecimento do procedimento no sistema público. A avaliação de desempenho nas instituições públicas mostrou que a implementação do cateterismo cerebral no SUS é perfeitamente viável. Esses resultados são importantes, pois podem significar maior acesso ao melhor tratamento pela população.
Trombectomia mecânica versus alteplase intravenosa
Na rede pública, o único tratamento disponível atualmente é a alteplase intravenosa, que apesar de apresentar certa eficiência, só pode ser usada nas primeiras quatro horas do aparecimento dos sintomas do AVC. A limitação do medicamento também reflete nos resultados: há maiores riscos de sequelas e seu uso não é recomendado para coágulos grandes.
Já o novo tratamento pode ser utilizado até oito horas do início dos sintomas. Além de assegurar 30% mais chance de sobrevivência, os pacientes estão 35% mais propensos a manter a independência e apresentam 30% mais chance de ficar sem qualquer sequela.
“Em termos de riscos, o cateterismo cerebral não mostrou taxas mais elevadas em comparação ao tratamento disponível atualmente. Mas os benefícios foram maiores do que os encontrados na alteplase intravenosa”, comenta Raul Nogueira, do Grady Memorial Hospital, nos Estados Unidos.
Os pesquisadores ainda conseguiram demonstrar que a incorporação da terapia no SUS traz outros benefícios, como redução de custos decorrentes de longas internações e do uso de medicamentos, além de garantir menos sequelas ao paciente, possibilitando a recuperação física e, consequentemente, o retorno à rotina, incluindo o trabalho, para que ele não precise depender de familiares.
O estudo
O estudo, realizado pela Rede Brasil AVC com financiamento do Ministério da Saúde, avaliou o desempenho da trombectomia mecânica no tratamento de 221 pacientes atendidos em 12 hospitais da rede pública espalhados por todo o país. Os resultados da investigação foram apresentados em maio na Conferência da European Stroke Organisation (ESCO 2019), que aconteceu em Milão, na Itália.
Pesquisas anteriores realizadas fora do país já haviam demonstrado os benefícios da trombectomia mecânica para o tratamento de AVC por oclusão de vasos grandes. No entanto, não estava claro se a técnica poderia ser utilizada no âmbito do SUS, uma vez que a rede pública poderia não ter capacidade para atender às exigências requeridas para a implementação do tratamento, como atendimento rápido semelhante ao de instituições privadas e internacionais.
Os resultados mostraram que apesar das dificuldades enfrentadas pelo SUS, o cateterismo cerebral pode ser implantado de forma eficiente e gerar os resultados esperados, ou seja, reduzir a taxa de mortalidade e de sequelas.
Embora o tratamento seja mais caro para o orçamento público, a longo prazo, ele pode diminuir custos relacionados a internações subsequentes e necessidade constante de medicação, que seria fornecida pelo Estado.
Em julho, os resultados serão submetidos para avaliação do Ministério da Saúde. Durante a reunião, serão discutidos os dados encontrados ao longo do estudo, assim como o planejamento para a incorporação do tratamento no SUS – que pode ocorrer ainda este ano, de acordo com os pesquisadores.
Uma ferramenta eficiente
Além da implementação do cateterismo cerebral, o estudo descobriu que o aplicativo Fast-ED, criado por uma empresa japonesa, é uma importante ferramenta para auxiliar os socorristas do Samu. Durante o atendimento da ocorrência, os profissionais de saúde têm acesso ao aplicativo, que fornece um questionário simples e rápido que ajuda a identificar o tipo de AVC que o paciente está sofrendo. Com base nessas informações, os socorristas verificam qual é o hospital mais adequado para atendê-lo.
A ferramenta, que foi utilizada na região metropolitana de Porto Alegre (RS), também disponibiliza as informações recolhidas pelo Samu para o hospital que vai receber o paciente. Uma vez que equipe médica avalia o caso por meio dos dados obtidos pelo aplicativo, já se sabe de antemão os riscos envolvidos. Assim, é possível definir quais exames serão necessários antes mesmo do paciente chegar à emergência, o que garante um atendimento mais rápido.
“O uso do aplicativo ajuda a reduzir o tempo de atendimento em até 15 minutos, o que aumenta as chances de recuperação do paciente”, explicou Sheila Martins, coordenadora de Programas de AVC do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Segundo a especialista, o aplicativo já está sendo utilizado por diversos hospitais brasileiros
De acordo com o Ministério da Saúde, o AVC ocorre quando os vasos que transportam o sangue para o cérebro rompem ou entopem, provocando paralisia na área cerebral que ficou sem circulação sanguínea. O problema pode se manifestar de duas formas: AVC isquêmico e AVC hemorrágico.
O AVC isquêmico é responsável por 85% dos casos. Ele ocorre quando uma artéria fica obstruída, o que impede a passagem de oxigênio para as células cerebrais. Essa obstrução costuma acontecer em decorrência de trombose (formação de coágulos) ou embolia (formação de bolhas de ar). Já o AVC hemorrágico é menos comum (apenas 15% dos casos), mas tem taxa de mortalidade maior. Essa versão acontece quando há rompimento de um vaso, provocando hemorragia, que podem ser dentro do tecido cerebral ou na superfície entre o cérebro e a meninge.
Os sintomas mais comuns de quem está sofrendo um AVC são: dor de cabeça súbita, intensa e sem causa aparente; alteração da fala ou compreensão; alteração na visão (em um ou ambos os olhos); confusão mental; fraqueza ou formigamento no rosto, braço ou perna, localizado geralmente em apenas um lado do corpo; alteração do equilíbrio ou no andar; tontura e problemas de coordenação.
Segundo Sheila, as principais sequelas deixadas pela doença são: dormência em um lado do corpo, impossibilidade de andar, dificuldade de fala e compreensão, falta de equilíbrio e coordenação, e problemas de memória. Vale lembrar que o AVC pode ser prevenido com medidas simples, como controlar os fatores de riscos, que incluem pressão alta, colesterol elevado, diabetes, tabagismo, obesidade, sedentarismo, má alimentação e fibrilação atrial (frequência cardíaca irregular que provoca má circulação).