Salto ocorreu de 2018 para este ano; desde 2014, 13,5% dos que tinham seguro médico o perderam
Em bancos de concreto, pacientes se amontoam enquanto aguardam serem chamados para consultas agendadas em um dos hospitais municipais mais lotados de São Paulo.
Apesar de a sala de espera estar quase sempre cheia, o ambiente é de silêncio, interrompido apenas quando um funcionário de jaleco branco grita uma lista de nomes.
É quando os pacientes se enfileiram e são encaminhados para as salas de atendimento em um corredor.
Há pelo menos dois anos, o apinhado hospital municipal Carmino Caricchio, conhecido como hospital do Tatuapé, localizado no bairro de mesmo nome na zona leste da cidade, vê suas salas de espera se tornarem cada vez mais abarrotadas de gente em busca de atendimento médico.
Desde 2017, o endereço registrou um salto de 21% no número de consultas médicas ambulatoriais realizadas.
Como ocorre no hospital do Tatuapé, o aumento da fila de pacientes em busca de atendimento ambulatorial, o que inclui consultas de rotina, acompanhamento e procedimentos de baixa complexidade, reverbera no sistema público municipal como um todo.
Nos quatro primeiros meses deste ano, os hospitais da cidade registraram 10% mais consultas ambulatoriais do que no mesmo período no ano passado.
Em números, a diferença foi de 11,5 mil mais apontamentos em um universo de cerca de 40 mil consultas por mês.
No hospital do Tatuapé, por exemplo, foram 3.300 mais consultas do que no mesmo período de 2017, ou cerca de 800 agendamentos a mais por mês no intervalo de dois anos, segundo dados fornecidos pela secretaria de Saúde via Lei de Acesso à Informação.
O percentual de aumento nos atendimentos ambulatoriais dos hospitais municipais é ainda mais relevante diante do fato de que nos anos anteriores, entre 2017 e 2018, a quantidade de consultas vinha em ritmo decrescente nos balanços referentes a onze equipamentos de saúde.
Especialistas apontam uma série de explicações para o aumento da demanda. Entre elas, a mais cabível faz paralelo com a retração do mercado de planos de saúde na cidade como reflexo da crise econômica do país.
Outra justificativa, fornecida pela pasta da gestão do prefeito Bruno Covas (PSDB), faz referência ao crescimento populacional na cidade de São Paulo.
A estimativa do aumento de pessoas que vivem na cidade, entre 2017 e 2018, foi de 8,2%, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) com base nos dados coletados durante o censo de 2010.
Portanto, abaixo dos 10% a mais de movimento registrado nos hospitais municipais neste ano.
Por outro lado, o percentual de pessoas que perderam acesso a planos de saúde no mesmo período cresceu.
Segundo dados da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), desde 2014, a cidade passou de 6,6 milhões de beneficiários para 5,7 milhões, o que representa uma queda acumulada de 13,5%.
Entre 2017 e 2018, de acordo a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), cerca de 480 mil pessoas na cidade deixaram de ter acesso à saúde suplementar.
Sem a carteirinha do plano, antes de entrar na fila do SUS, há quem recorra a clínicas e laboratórios de análises que apostaram nos últimos anos no vácuo da retração do mercado de planos de saúde e passaram a oferecer preços mais acessíveis do que a rede privada tradicional.
Marcos Novais, economista-chefe da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), questiona a concorrência desse tipo de serviço, que quando muito utilizados pode se equiparar ou superar o gasto com um plano, algo que usuários frequentes das clínicas corroboram.
Gestores municipais também afirmam que alguns pacientes, ao se verem sem recursos para concluir o atendimento nas clínicas, migram para o SUS no meio do tratamento, tendo que refazer parte do processo.
Os custos de pagar por procedimentos médicos se tornam praticamente insustentáveis em casos de alta complexidade, o que inclui cirurgias e internações.
Segundo dados da Secretaria de Saúde, na rede de hospitais municipais, os atendimentos emergenciais se mantiveram estáveis no mesmo período em que os consultórios ambulatoriais tiveram alta na demanda.
Em 2018, foram feitas cerca de 2,1 milhões consultas nos pronto-socorros municipais.
Recorrer ao sistema público de saúde diante da dificuldade de acesso ao atendimento privado, porém, por si só não explica totalmente o aumento da demanda por atendimento nos hospitais municipais.
“Houve síndromes respiratórias e outras condições de saúde que se fizeram mais presentes em 2019 do que em 2018, o que pode ter ajudado no aumento da procura por atendimentos de baixa complexidade”, diz Novais.
Além disso, ao examinar o salto de consultas no SUS na comparação com 2018 e 2017, quando houve retração dos atendimentos nos hospitais municipais, ele questiona o comportamento dos ex-usuários de planos de saúde.
Para Novais, diante da crise econômica iniciada em 2014, quem ainda estava empregado e tinha acesso ao plano pago pela empresa –ou dispunha de orçamento para pagar planos individuais ou de adesão– aproveitou o momento para fazer mais consultas e exames ante a iminência de perder o benefício por causa das previsões de piora da situação econômica do país.
“Houve um pico na utilização dos planos nesse período”, diz Novais. “Pequenas cirurgias, por exemplo, foram feitas porque se sabia do risco de perder a saúde suplementar.”
De acordo com a gestão Bruno Covas (PSDB), há hoje 7,5 milhões usuários do SUS na cidade, de uma população de 12 milhões, e os hospitais municipais atendem por livre demanda.
A Prefeitura de São Paulo diz que planeja ampliar a rede de atendimento de saúde na cidade a partir de financiamento de cerca de R$ 800 milhões negociado com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Não há, porém, prazo definido para isso.