O que falta para a Telemedicina se tornar Medicina?
29/07/2019

O uso das novas tecnologias no relacionamento entre médico e paciente ainda provoca muita discussão no setor de saúde no Brasil. Recentemente, o anúncio do serviço de consultas médicas online por parte da seguradora Amil, em parceria com o Hospital Albert Einstein, por meio de aplicativo, virou alvo de sindicância para apuração de irregularidades pelo Cremesp — Conselho Regional de Medicina de São Paulo.

O novo serviço oferecido pela operadora prevê o atendimento virtual por videoconferência para cerca de 180 mil beneficiários. Também foi divulgado que 15 médicos do Einstein estariam responsáveis pelo serviço, no sistema 24 horas por dia. De acordo com nota do Cremesp, o Código de Ética Médica veta o atendimento à distância, autorizando-o apenas em casos de urgência ou emergência e na impossibilidade comprovada de realizá-lo presencialmente.

Em alguns países, como os EUA, essa modalidade de atendimento já existe e é oferecido inclusive por uma famosa rede de farmácias, através de um app. Algumas operadoras começaram usar Telemedicina nos seus serviços. Por exemplo, a famosa americana Kaiser oferece a seus pacientes consultas médicas de 10 a 15 minutos através do telefone, como também, um site seguro onde os pacientes podem trocar mensagens com os médicos.

Essa polêmica surge no momento em que se discute a regulamentação da Telemedicina no país pelo Conselho Federal de Medicina. O tema do atendimento não presencial, feito por meio de uso da tecnologia, ainda está sob discussão, após a revogação da Resolução CFM n.º 2.227/2018, solicitada pelo Cremesp e demais Conselhos Regionais, preocupados com alguns aspectos do texto publicado. Até a elaboração e aprovação do novo texto, a prática da telemedicina no Brasil está subordinada aos termos da Resolução CFM n.º 1.643/2002, atualmente em vigor, a qual exige que haja um médico em cada ponta da comunicação.

São vários debates públicos sobre a Resolução nº 2.227/18, sem uma solução ou direcionamento. A norma previa uma série de regras para consultas online, telecirurgia e telediagnóstico, entre outras formas de atendimento à distância. O texto estabelecia a telemedicina como exercício da Medicina mediado por tecnologias para fins de assistência, educação, pesquisa, prevenção de doenças e lesões e promoção de saúde, podendo ser realizada em tempo real ou offline.

Há muito tempo o CFM abriu o debate para todos se manifestarem sobre a telemedicina, inclusive havendo várias críticas por partes dos médicos em razão de a antiga resolução ser de 2002. Quantos médicos já fazem hoje o atendimento remoto, sem regulamentação? Uma orientação pelo WhatsApp, por telefone, é atendimento não presencial.

Como, portanto, ser contrário ao uso da tecnologia responsável na saúde, em especial em um país com a nossa realidade. Vale dizer que a Telemedicina é usada desde os anos 90, inicialmente pelo Programa Espacial da Nasa. No Brasil, a Petrobras foi uma das primeiras empresas a se utilizar desse serviço nas embarcações e plataformas marítimas.

Considerando que a Nasa implementou há décadas a Telemedicina, não surpreende que nos EUA haja novidades nos serviços oferecidos a distância. É o caso da Mercy Virtual na cidade de Saint Louis no Missouri nos EUA onde médicos e enfermeiros pelo “Centro de Cuidado Virtual” fornecem suporte remoto para unidades de cuidados intensivos, salas de emergência e outros programas em 38 hospitais menores da Carolina do Norte até Oklahoma.

Muitos deles não têm um médico 24 horas no local. No Brasil há resistência quanto à ausência de um profissional médico em uma das pontas.

A principal aplicação da Telemedicina é quando o médico generalista necessita do parecer de um especialista, e no caso de não médicos participarem, recebendo e transmitindo dados, o médico deve certificar-se que esse profissional tem competência e comprometimento com a ética profissional e sempre com o consentimento do paciente.

Se regulamentada no Brasil, a Telemedicina criará oportunidades para que os médicos tenham a possibilidade de crescer profissional e financeiramente — abrem-se oportunidades aos especialistas, que, inclusive, poderão ajudar a mais pessoas, à distância. Utilizada de forma adequada e regulamentada, a Telemedicina será favorável para os médicos e para a sociedade.

Há muitos exemplos no país que ilustram a aplicação da Telemedicina com o escopo de levar atendimento a um número maior de pessoas, com mais agilidade. Recentemente, a prefeitura de São Paulo anunciou que iniciaria o atendimento pela via remota a usuários das UBS das regiões de Vila Maria/Vila Guilherme e Butantã, com as especialidades de dermatologia, reumatologia, neurologia, endocrinologia, pneumologia, cardiologia e ginecologia para o pré-natal de risco.

Nesse modelo, os médicos especialistas (segundo uma escala de dias e horários) discutirão os casos pela plataforma ao vivo (sempre que possível), por meio de videoconferência e com acesso a imagens de exames, como raio-x, tomografia e o paciente presente. O objetivo desses atendimentos envolvendo o médico assistente da UBS e o especialista é a redução das filas de espera para consultas e também a redução de encaminhamentos para os ambulatórios de especialidades.

Desde 2008, a Telemedicina é uma realidade em Porto Alegre, Capital gaúcha. A tecnologia possibilita às gestantes a realização de ultrassonografias obstétricas no próprio posto de saúde, o que diminuiu o tempo entre a marcação e a realização dos exames, de três a quatro meses para cerca de 30 dias. Outro ponto importante está na identificação de casos complexos, que representam cerca de 10% das gestações. Com os exames realizados precocemente, as gestantes podem ser encaminhadas para atendimento especializado, o que culmina na diminuição de problemas durante o parto.

Outro exemplo no Brasil é o de Santa Catarina, com emissão de laudos a distância para exames de dermatologia, o que permite saber a gravidade de uma lesão antes do paciente ser encaminhado ao especialista. A tecnologia catarinense é ofertada a 100% do estado e está em expansão para todo o Brasil, com implantação já efetivada em municípios do Mato Grosso e da Bahia. Há médicos de estados distintos, portanto, que estão interagindo em prol do paciente, ainda que a normatização do CFM preconize que o médico não pode atuar em outro Estado sem que nele esteja registrado, a tecnologia tem rompido essa barreira.

Interessante pensar que nossa sociedade também está envolvida na discussão de temas sobre o futuro da saúde. Apenas para dar um exemplo, por ocasião do aniversário da cidade de SP, foram promovidas várias palestras voltadas para a população interessada e uma delas se chamava “O Futuro da Saúde” e, claro, a “Revolução Digital na Saúde” e, consequentemente, falou-se sobre a Telemedicina como uma ferramenta facilitadora para ampliar a assistência de saúde.

Resta, agora, buscar as ferramentas necessárias para instrumentalizar a resolução da maneira mais ética, juridicamente segura e favorável aos pacientes e profissionais da saúde. E que venha a tecnologia, sempre acompanhada da ética e sem se perder o vínculo médico e paciente.

Sandra Franco é consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde, presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde, ex-presidente da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico-Hospitalar da OAB de São José dos Campos (SP), membro do Comitê de Ética da Unesp para pesquisa em seres humanos e doutoranda em Saúde Pública





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