Precisamos falar sobre os planos de saúde individuais
30/07/2019

Como pode um produto que tem alta demanda reprimida não ser comercializado em larga escala pelas empresas? Esse fenômeno acontece com os planos de saúde individuais no Brasil. Segundo pesquisa Ibope, o plano de saúde é o terceiro maior desejo do brasileiro, perdendo apenas para a educação e a casa própria. Nesse cenário, há uma realidade muito paradoxal: se o consumidor deseja, por que tantas operadoras deixaram de ofertar planos individuais? A resposta é simples, as operadoras de planos de saúde precisam ter garantias de que a carteira ou conjunto vendido de planos individuais permanecerá solvente e economicamente viável ao longo do tempo. Caso contrário, perdem todos: as empresas, que ficarão insolventes e irão encerrar suas operações, e o consumidor, que ficará sem a proteção contratada. Em outras palavras, as regras impostas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) – especialmente a política de reajuste – inviabilizaram economicamente as carteiras de planos individuais, levando as operadoras a suspenderem as vendas e, em alguns casos, a alienar as carteiras existentes.

A estrutura de custo das operadoras é fortemente impactada pela inflação médica – aumento das despesas com consultas e exames, elevação da frequência do uso do plano pelos beneficiários, compra de materiais e insumos cada vez mais caros, utilização intensa de tecnologia, aumento das despesas com internações e inclusão de novas coberturas, tratamentos e medicamentos no Rol de Procedimentos da ANS (cobertura mínima obrigatória) a cada dois anos, entre outras. Além disso, as empresas arcam com despesas administrativas e outras não previstas, como o gasto crescente com a chamada judicialização da saúde – ações judiciais que a cada tempo obrigam as operadoras a assumirem despesas inesperadas em seus contratos. Inevitavelmente, o somatório do impacto nos custos dessas variáveis precisa ter a contrapartida no valor das mensalidades dos planos que os beneficiários pagam.

É preciso destacar que toda e qualquer atividade econômica requer regulação para coibir distorções prejudiciais a todas as partes envolvidas – o fundamento econômico para qualquer regulação é a existência de falhas de mercado, típicas na Saúde Suplementar. O excesso de interferência governamental, no entanto, acaba inibindo o desenvolvimento do mercado.

Historicamente, já vimos que controle de preços e, no caso em questão, dos reajustes anuais não protege o consumidor, apesar da falsa sensação de segurança que traz no primeiro momento. Na verdade, políticas de controle de preços e reajustes acabam tirando conquistas do consumidor no curto, médio e longo prazo. No Brasil, um bom exemplo é o desaparecimento do Banco Nacional de Habitação (BNH) e do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) – ambos criados pelo governo para viabilizar a aquisição da casa própria e, ao mesmo tempo, ajudar a fortalecer a indústria da construção civil. Ao longo do tempo, no entanto, banco e programa sucumbiram ao excessivo controle de preços e às taxas de juros subsidiados que os sucessivos governos impuseram e que não asseguraram a sustentabilidade das iniciativas, que poderiam ter tido vida longa e ajudado milhões de brasileiros a ter seu imóvel.

O exemplo acima tem semelhança com o contexto que se observa no segmento de planos de saúde individuais e familiares. O fato é que a política de reajustes da ANS adotada até 2018 resultou em fortes desequilíbrios das carteiras existentes, e na inviabilidade econômica de novos produtos. Esse tipo de política de reajuste pode ter ajudado no desaparecimento de mais de três centenas de operadoras nos últimos 11 anos, segundo dados do próprio órgão regulador, reduzindo a oferta e a concorrência no mercado. De acordo com cálculos da FenaSaúde, de 2008 a 2018 os reajustes autorizados pela ANS para os planos individuais totalizaram 155%. No entanto, as despesas assistenciais per capita atingiram 192% no mesmo período. A conta, portanto, não fecha!

A FenaSaúde tem defendido nos últimos anos a revisão das regras e da metodologia de reajustes adotada pela ANS. É fato que as propostas de mudanças da fórmula de reajuste apresentada pelo órgão regulador, em 2018, já indicaram avanços importantes, mas é preciso mais. A nova fórmula ainda é única para todos os planos individuais que são comercializados Brasil afora. Para a FenaSaúde, criar uma única regra que estabelece os mesmos percentuais de reajuste para todos os planos individuais e familiares, oferecidos por operadoras dos mais diversos portes, nas mais diversas regiões do Brasil, acaba por alimentar as distorções que persistem no sistema de saúde privado.

A FenaSaúde entende que, no caso dos reajustes de planos individuais, é preciso considerar as particularidades de cada região do Brasil assim como dos produtos comercializados e suas características específicas de redes credenciadas, desenho de plano, amplitude geográfica etc.  Somente com regras que permitam a manutenção do equilíbrio atuarial e a viabilidade econômica das carteiras de planos individuais, as operadoras voltarão a comercializar tais planos.

Não existe mágica e nem almoço grátis nesse segmento de planos individuais. A regulação excessiva – incluindo a metodologia que limita os reajustes – não gera valor para ninguém. É preciso deixar que o mercado encontre o melhor caminho para criar produtos que sejam viáveis tecnicamente, que atendam a demanda por planos individuais e, principalmente, que tenham preços que “caibam no bolso” dos consumidores.

Finalmente, que os bons ventos liberais, que surgiram nos últimos meses, soprem também na direção do setor de Saúde Suplementar.

Sobre o autor

João Alceu Amoroso Lima, presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde)





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