Aperfeiçoar diagnósticos e descobrir sinais genéticos de doenças reumáticas pediátricas estão entre as apostas de cientistas para combater essas enfermidades
A dor e outros incômodos provocados por doenças reumáticas pediátricas podem ser tratadas com medicamentos. Os efeitos obtidos, porém, nem sempre são completamente satisfatórios. Mais recentes, os remédios biológicos têm melhorado a vida desses pacientes, mas os cientistas acreditam que muito mais pode ser feito. Biomarcadores genéticos, diagnósticos aperfeiçoados e vacinas são algumas das opções estudadas para ajudar crianças e adolescentes que apresentam esses problemas de saúde. Especialistas são otimistas quanto ao futuro e acreditam que mais ganhos não estão longe de se tornar realidade.
Uma das tecnologias que mais têm ajudado na busca por maior compreensão em relação a doenças reumáticas é a genética, que tem rendido frutos promissores. Uma pesquisa belga com gêmeos idênticos conseguiu encontrar a primeira mutação de DNA, a NFIL3, que pode provocar a artrite idiopática juvenil (AIJ). “O sequenciamento de um único tipo de célula nos permitiu acompanhar o que estava errado. Descobrimos o elo entre a mutação genética e o início da doença”, conta ao Correio Stephanie Humblet-Baron, uma das autoras do estudo, publicado em janeiro na revista Annals of the Rheumatic Diseases, e pesquisadora do Flanders Institute for Biotechnology.
Os cientistas replicaram o estudo em camundongos, que foram modificados para apresentar a mesma mutação detectada nos gêmeos. Dessa forma, conseguiram confirmar que o defeito genético levou a uma maior suscetibilidade à AIJ. Segundo a equipe, as descobertas são extremamente animadoras, pois podem contribuir para o surgimento de terapias mais eficazes. “Compreender a causa da doença abre a chave para tratar o paciente”, frisa Humblet-Baron.
Uma segunda pesquisa recente também apresentou marcadores relacionados ao risco cardiovascular, uma alteração relacionada ao lúpus eritematoso sistêmico de início juvenil (LESJ). No estudo, apresentado no último Congresso Europeu Anual de Reumatologia (Eular 2019), foram analisados 35 pacientes e 39 doadores de sangue saudáveis.
Após análises do perfil metabólico de ambos os grupos, os investigadores identificaram que o ApoB: A1 funciona como um indicativo de risco cardiovascular elevado em pacientes com LESJ. “Nosso estudo identifica ApoB: A1 e também algumas assinaturas de lipoproteínas como novos biomarcadores com potencial para prever o risco cardiovascular nesses pacientes jovens”, explica George Robinson, pesquisador do Centro de Reumatologia da Adolescência no University College London, no Reino Unido, em um dos autores do estudo.
Segundo George Robinson, as descobertas abrem portas para o desenvolvimento de novos tratamentos. “A estratificação de pacientes usando esses biomarcadores poderia fornecer uma oportunidade para terapias sob medida, como foco na modificação de lipídios e intervenções no estilo de vida”, ilustra.
Maria Teresa Terreri, membro da Comissão de Reumatologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Reumatologia, acredita que estudos que buscam marcadores para as doenças reumáticas podem trazer ganhos para a área terapêutica. “Esses marcadores estão em uma fase inicial de pesquisa, mas podem nos ajudar na rotina médica, no diagnóstico e no tratamento, assim como fazem hoje os remédios biológicos”, compara. Esses novos remédios contêm moléculas com atividade biológica e contribuem para um melhor tratamento das doenças reumáticas. “Eles têm alto potencial e geram benefício para o envolvimento dos rins e do sistema nervoso central”, frisa Terreri.
Vacinas
Algumas doenças reumáticas pediátricas são autoimunes, e as terapias prescritas mexem com o sistema de defesa do corpo. Por isso, vacinas que utilizam parte de vírus vivo não são indicadas para esses pacientes. “Isso se dá devido a um risco teórico, não comprovado, de desenvolvimento de infecção. As vacinas vivas atenuadas contêm vírus ou bactérias que foram enfraquecidas. Podem causar doenças em pessoas saudáveis, mas ainda podem produzir uma forte resposta imunológica”, explica Yosef Uziel, pesquisador do Departamento de Pediatria da Universidade de Tel Aviv, em Israel.
Em um estudo apresentado no Eular 2019, Yosef Uziel e a equipe mostraram como buscam evidências mais consistentes desse possível impasse em pacientes de reumatologia pediátrica tratados com terapia imunossupressora. A equipe analisou o efeito da vacina de reforço tríplice viral (caxumba, sarampo e rubéola) com vírus vivo atenuado em 110 crianças com até 5 anos, sendo que grande parte tinha artrite idiopática juvenil (AIJ). As esperadas reações negativas não foram detectadas. “Os dados positivos do nosso estudo sugerem que essa vacina é segura em crianças com doenças reumáticas. Isso exige ainda mais pesquisa, mas acreditamos que os resultados são extremamente animadores”, diz Yosef Uziel.