É consenso, na área da saúde, que a demanda da sociedade por serviços assistenciais só tende a crescer, por razões demográficas, como o aumento da população de idosos, ou epidemiológicas, como maior incidência de doenças crônicas, típicas da velhice. Essa característica faz da saúde mercado promissor aos olhos dos investidores, o que explica os seguidos anúncios de grandes (e bem vindos) empreendimentos no setor. Na contra-mão dessa pujança e dinamismo, assiste-se a persistente desmonte da infraestrutura hospitalar do setor privado lá onde os as condições de mercado são mais frágeis e a população mais desassistida.
Os números estão no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e foram consolidados no Cenário dos Hospitais 2019, publicado pela Federação Brasileira dos Hospitais (FBH) em parceria com a Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde). Segundo o relatório, entre 2010 e 2019, 2.127 hospitais privados, com um total de 92.645 leitos, deixaram de operar. Descontados os estabelecimentos e leitos que se abriram no período, o saldo corresponde a um recúo de 11,6% no número de hospitais privados (560 unidades a menos) e de 11,8% em leitos (menos 34.741 unidades). No mesmo período, o número de hospitais públicos aumentou 17,1% (355 estabelecimentos) e o de leitos públicos, 6,6% (9.200 unidades).
O recuo privado não foi compensado pelo pequeno avanço público. Como resultado, o sistema inteiro sofreu uma redução na oferta. Em 2010 havia 2,23 leitos por mil habitantes, índice que já era muito aquém da média internacional de 3,2 por mil. Dez anos passados, regredimos para 1,91 leito por mil. O decréscimo, infelizmente, não é fruto do processo de desospitalização que se verifica nas sociedades desenvolvidas. Ele é espelho de uma crise que já colocou o Brasil abaixo da média de 2 leitos por mil habitantes observada entre os países da América Latina e Caribe.
Vistos de perto, os números mostram que do total de 2.127 estabelecimentos privados que fecharam, 73,3% eram hospitais com fins lucrativos, 69,9% não tinham mais do que 50 leitos e 49,2% atendiam ao SUS. Ou seja, não contavam com benefícios fiscais e tributários que favorecem hospitais filantrópicos e, por serem pequenos, eram mais vulneráveis às pressões dos planos de saúde para reduzir preços ou ao descalabro da defasagem nas tabelas de remuneração do SUS.
São motivos que se pode compreender mas que não se pode aceitar como danos colaterais pelos quais ninguém se responsabiliza. Ao contrário, devemos nos perguntar por que, numa sociedade carente de saúde, permitimos que fechem tantos hospitais e leitos? Onde falhamos na tarefa de assegurar sustentabilidade a um setor tão essencial? Há nesses números razões suficientes para que a sociedade discuta e os poderes se mobilizem para definir uma política que, sem cair no paternalismo, assegure condições de mercado para estancar a mortalidade hospitalar e para que a assistência à saúde se expanda em lugar de encolher.
Sobre os autores
Breno de Figueiredo Monteiro é Presidente da Confederação Nacional de Saúde.
Adelvânio Morato é Presidente da Federação Brasileira de Hospitais.