O Brasil receberá, a partir de hoje, o primeiro laboratório nas Américas da Episkin, subsidiária da L'Oréal especializada na produção de pele humana reconstruída, usada para testes de segurança em laboratório para diversos produtos. A unidade fica na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro, e é a terceira da empresa no mundo. Tem capacidade inicial de produção de 10 mil tecidos reconstruídos por ano.
Além da unidade no Rio, a Episkin tem a matriz na cidade francesa de Lyon, com capacidade de 130 mil tecidos por ano, e uma filial em Xangai, na China, com capacidade para 30 mil.
O material produzido no Brasil servirá sobretudo para uso de laboratórios que realizem testes de segurança, como a reação da pele a tintas de brinquedos ou a colas de materiais escolares. O presidente da Episkin no Brasil, Rodrigo De Vecchi, disse que a companhia já desenvolve pesquisas com o Instituto D'Or, braço de pesquisa e inovação da Rede D'Or de hospitais, para desenvolvimento de pele com neurônios, o que permitirá, no futuro, averiguar níveis de coceira e dor causados por determinados produtos. Na China, disse, já há pele reconstruída com melanócitos, que permite a pigmentação ou bronzeamento in vitro quando exposta a raios UV. Isso ajuda nos testes de protetores solares.
No Brasil, por enquanto, a produção da Episkin, validada por organismos internacionais, será principalmente para atender a uma mudança na legislação. A abertura do laboratório acontece às vésperas do fim do prazo dado pela Resolução 18/2014 do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, para que laboratórios e empresas substituam totalmente a partir de 24 de setembro os testes em animais por outros tipos que tenham alternativas reconhecidas e validadas.
A Resolução 18 reconhece 17 métodos alternativos ao uso de animais em testes. Quatro deles são contemplados pela pele humana fabricada pela companhia, todos para avaliação da irritação e corrosão da pele.
De Vecchi explica que a empresa optou por ter um laboratório no país devido a três fatores: o compromisso da Episkin, e da L'Oréal, contra os testes em animais; a demanda brasileira a partir da nova legislação; e a impossibilidade de se importar o material da França para uso no Brasil.
"Essa pele tem que chegar ao cliente em três dias, no máximo. Quando tentávamos importar da França para o Brasil, chegava morta por causa do tempo de liberação na alfândega", diz De Vecchi, que entrou na L'Oréal em 2013 e está desde 2016 na Episkin.
A unidade brasileira vai funcionar como uma montadora a partir de componentes vindos da França. O executivo explica que até a água usada no laboratório vem do país europeu. A explicação para tal procedimento é simples.
"Fazemos a transferência tecnológica do modelo validado e amplamente utilizado no mundo, com protocolos de uso de métodos alternativos validados e disponibilizados na guia da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico]", diz De Vecchi. Qualquer mudança nos componentes obrigaria a uma nova validação de todo o processo a ser usado no Brasil. "Até a água vem da França porque qualquer modificação no plástico da placa, no protocolo, traria uma variação que nos obrigaria a revalidar isso".
O presidente da Episkin Brasil diz que, depois que a pele reconstruída fica pronta, é enviada via Sedex em até dois dias para o cliente. "O Sedex tem funcionado bem, principalmente nas capitais. A gente faz a montagem no Rio e faz a entrega em 24 a 48 horas".
De Vecchi lembra que os produtos da Episkin têm correlação de 98% com o que realmente ocorre na pele humana. A literatura do setor, pondera, aponta para correlação de apenas 36% no caso de peles de animais. No Brasil, ele garante que a produção será suficiente para atender a demanda e não descarta nos próximos anos conseguir atender também países vizinhos da América do Sul.
Para fabricar a pele reconstruída, a Episkin recebe doações de queratinócitos descartados em cirurgias plásticas na França. Esses queratinócitos são as principais células formadoras da epiderme, doadas pelos próprios pacientes para fins exclusivos de pesquisa. Essas células e todo o material são enviados ao Brasil, onde os queratinócitos são cultivados em placas de cultura até formarem as camadas da epiderme, seguindo um processo validado e padronizado internacionalmente.
A L'Oréal não divulga faturamento de subsidiárias ou gastos com pesquisas. Globalmente, o grupo francês faturou € 26,9 bilhões em 2018 e investiu € 914 milhões em pesquisa e inovação, o equivalente a 3,4% do faturamento. A L'Oréal começou a implementar o desenvolvimento de pele in vitro nos anos 70 e desde 1989 não realiza testes com animais.