'Algoritmo da Vida' vasculha rede social para evitar suicídios
11/09/2019

As redes sociais têm sido muito criticadas por ocasionar males típicos da vida digital, que não existiam ou eram menos abrangentes antes da internet, como invasão de privacidade, manifestações públicas de ódio, "fake news" e o vício em permanecer on-line. Mas uma iniciativa brasileira está usando a tecnologia para vasculhar mensagens no Twitter e identificar possíveis vítimas de depressão. O objetivo é intervir a tempo de evitar uma ameaça crescente, principalmente entre jovens e adolescentes: o suicídio.

Batizado de "Algoritmo Vida", o projeto será lançado oficialmente hoje, em São Paulo, por duas das maiores empresas de tecnologia do mundo: a alemã SAP, maior fornecedora de software da Europa, e a Amazon Web Services (AWS), empresa de serviços de computação em nuvem da gigante americana de comércio eletrônico.

O lançamento coincide com a campanha Setembro Amarelo, promovida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e marcada ontem pelo Dia Mundial para a Prevenção do Suicídio.

Em nove meses, desde que começou a funcionar como protótipo, o algoritmo avaliou 34 milhões de tuítes, selecionando 1,3 mil perfis de pessoas cujas mensagens mostravam fortes indícios de depressão. O sistema procura associações de palavras como "medo", "solidão", "fracasso" e "frustrado" ou combinações de frases que as contenham. É a chamada "gramática da depressão" - expressões que se repetem entre quem tem o problema. O algoritmo analisa o contexto e refina a busca até chegar a perfis considerados de alto risco.

A partir de então, entram em ação grupos de voluntários que têm acesso a um painel que apresenta os resultados de maneira gráfica, fácil de ver. Cabe a eles fazer a análise final e encaminhar os perfis ao Centro de Valorização da Vida (CVV). Uma vez notificado, o CVV entra em contato com as pessoas indicadas, também por intermédio do Twitter. Os protocolos usados nas mensagens são definidos pela OMS.

O desafio da SAP e da AWS é ampliar o alcance do algoritmo, desenvolvido originalmente pela agência Africa, de publicidade. "Um dos focos é dar escala, tornando o projeto autossustentável. O outro é garantir que haja voluntários preparados", afirma Cristina Palmaka, presidente da SAP no Brasil. "Há muito tabu sobre o assunto no ambiente de trabalho."

O projeto chegou à mesa de Cristina pelas mãos de Luciana Coen, diretora de comunicação da SAP. Desde que perdeu um filho adolescente, há pouco mais de um ano, Luciana começou a se envolver em ações para detectar e combater a depressão e o suicídio, transformando a dor pessoal em oportunidade de ajudar outras famílias. "Ao tentar entender o que se passou com meu filho, percebi que esse é um problema enorme, que está crescendo", diz ela.

No início da semana, a OMS publicou estudo segundo o qual 800 mil pessoas cometem suicídio por ano no mundo, ao ritmo de uma morte a cada 40 segundos. Entre 2010 e 2016, essa taxa caiu 9,8%, mas a avaliação dos especialistas é que a proporção - de 10,5 mortes por cem mil habitantes - continua alarmante, principalmente entre os mais jovens.

Tirar a própria vida é a segunda maior causa de mortalidade entre pessoas com 15 a 29 anos, atrás apenas dos acidentes de carro. Entre os adolescentes, especificamente, os suicídios aparecem no segundo lugar entre garotas com 15 a 19 anos, atrás de complicações com a gravidez, e em terceiro entre rapazes com a mesma idade, depois dos acidentes automobilísticos e da violência interpessoal.

O Twitter foi escolhido como plataforma de pesquisa porque as mensagens trocadas pelas pessoas nessa rede são públicas. O algoritmo não tem limitações técnicas para cumprir a mesma tarefa em redes diferentes, como o Facebook, mas isso poderia levantar questões relacionadas à privacidade, porque os diálogos nessas redes são privados.

O "Algoritmo da Vida" será apresentado na abertura do SAP Forum, evento anual da empresa. A companhia vai empregar sua plataforma de softwares, incluindo programas de análise de informações, para tornar o aplicativo mais preciso. A AWS usará sua infraestrutura de centros de dados para ajudar o sistema a capturar e trabalhar com as bases de dados, além de adicionar recursos de inteligência artificial ao modelo.

A aliança entre as duas empresas - que são parceiras tradicionais no mundo dos negócios - indica uma tendência cada vez mais forte entre grandes companhias internacionais de capital aberto. Obter lucro continua sendo premissa fundamental, mas a percepção, agora, é que esse objetivo tem de vir acompanhado de preocupações com a sociedade em geral, e não só com os acionistas.

"É preciso encontrar maneiras de fazer com que tudo que a tecnologia torna disponível dê retorno à sociedade e melhore a qualidade de vida do ser humano", diz Cleber Morais, diretor-geral da AWS. "Temos de saber que legado vamos deixar, considerando a tecnologia que temos à disposição. Com o algoritmo, a meta é salvar vidas."

Fonte: Valor




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