Chips, sensores e aplicativos estão ajudando a digitalizar tratamentos e transformar as indústrias farmacêuticas em prestadoras de serviços ao paciente. Em 2017, o Abilify MyCite tornou-se o primeiro medicamento turbinado com sensores digitais a obter aprovação da agência americana Food and Drug Administration (FDA) para venda.
A tecnologia desenvolvida pela startup californiana Proteus é acoplada ao remédio da Otsuka Pharmaceuticals, indicado para esquizofrenia, transtorno bipolar e depressão grave, e gera um sinal eletrônico quando entra em contato com fluidos estomacais. Captado por sensor preso ao corpo do paciente, o dado é enviado a um aplicativo de smartphone e monitorado pelo médico. A ideia é melhorar a adesão ao tratamento - segundo a Organização Mundial da Saúde, 50% das pessoas não tomam seus medicamentos corretamente.
O exemplo mostra a tendência da indústria em buscar apoio na tecnologia digital, uma aposta de fabricantes tradicionais e healthtecs. No ano passado a Sandoz, da Novartis, fechou acordo com Pear Therapeutics, especializada no desenvolvimento de aplicativos médicos para smartphones, voltado ao desenvolvimento e comercialização da prescrição terapêutica digital reSET-O para pacientes com abuso de substâncias e opioides.
Aprovada pela FDA em dezembro, a novidade disponível desde março mistura terapia cognitivo-comportamental de 12 semanas, medicamento e aplicativo móvel para o paciente completar lições e registrar ingestão de substâncias, desejos e gatilhos, com eficácia avaliada em estudo randomizado. “O lançamento traz opção de tratamento baseado em tecnologia”, disse o CEO da Sandoz Global Richard Francis por ocasião do lançamento.
O uso de sensores e microdispositivos eletrônicos, a exemplo de marcapassos, vem avançando na indústria. Os aplicativos dão um passo adiante. Iniciativas e investimentos voltados à gestão de saúde do paciente estão nos planos da Roche Diabetes Care, destaca o diretor geral no Brasil, Paulo Quartim Barbosa. Seu último lançamento foi o monitor de glicose Accu-Check Guide, que registra e remete o histórico de testes para o médico. Há dois anos a Roche comprou o MySugr, aplicativo criado para registro de dados de diabéticos que pode ser conectado ao dispositivo por bluetooth. Os dados são monitorados pelo médico na Diabetes Care Platform.
Os investimentos nas novatas é um dos caminhos. A GSK criou fundo de US$ 50 milhões voltado a startups. Uma delas é a SetPoint Medical, que está desenvolvendo tratamento para pacientes com doença de Crohn - moléstia inflamatória intestinal - baseado em implantação de dispositivo para aplicar digitalmente impulsos elétricos para produzir efeitos anti-inflamatórios.
Linha terapêutica neste sentido também é foco de healthtecs nacionais. A Bright desenvolveu remédio digital voltado a tratamento de dores crônicas e severas em articulações, associadas a artrose, com base em fotomedicina - um algoritmo permite controlar dose e tipo de luz exata para cada paciente para promover reações fotoquímicas nas células, descreve o CEO da empresa, Reinaldo Opice.
A startup participou de aceleração na Startup Farm em 2015, captou subvenção de anjos e da Fapesp no ano passado e acaba de levantar R$ 1,5 milhão por meio de aporte do fundo Parallax Ventures e crowdfunding na plataforma Kria. O modelo de negócio inclui fornecimento do aparelho em comodato aos médicos, com venda da formulação individual indicada para cada paciente. A expectativa é de certificação da Anvisa ainda este ano, com comercialização no ano que vem.
A Beone também mira efeitos da luz. A empresa surgiu de pesquisa acadêmica do fundador Caio Guimarães no MIT voltada ao estudo dos efeitos anti-inflamatórios e bactericidas da fotobiomodulação. Hoje o foco são tratamentos para pé diabético. “O princípio é o mesmo da liberação da vitamina D pelo banho de sol. Mapeamos e potencializamos o efeito de irradiação de determinados comprimentos de onda”, resume Caio.