Como enfrentar a crise global na força de trabalho em saúde
16/10/2019

Os sistemas de saúde dependem da força de trabalho humano. Projeções desenvolvidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Banco Mundial estimam que em 2030 teremos um déficit de 18 milhões de trabalhadores, representando aproximadamente 20% do que seria necessário para suprir as demandas.

Um dos objetivos para o desenvolvimento sustentável, que os 194 países membros da ONU se comprometeram, é oferecer assistência médica universal até 2030. “É um dos maiores presentes que um país pode oferecer a sua população. Mas isso não será possível para todos se não direcionarmos esforços para resolver os problemas da força de trabalho”, afirma Mark Britnell, presidente global e sócio sênior da área de saúde, governo e infraestrutura da KPMG, que está no Brasil para o lançamento de seu livro “Human: Solving the global workforce crisis in healthcare” (Humanos: Resolvendo a crise global da força de trabalho na área da saúde, em tradução literal).

Mark já trabalhou em 79 países, em mais de 330 ocasiões, o que permite uma visão privilegiada do funcionamento global dos sistemas de saúde. “A qualidade dos cuidados se deteriorará ou será comprometida se não tivermos profissionais de saúde suficientes para prestar assistência às pessoas”, afirma Mark e propõe em seu livro 10 grandes mudanças para enfrentar esta crise. Uma delas é estimular as possibilidades digitais disruptivas oferecidas pela IA, assistência cognitiva, robótica e blockchain para aumentar o tempo no cuidado e a produtividade.

Ao ser questionado sobre o uso da telemedicina para aumentar acesso, Mark diz que o Brasil está demorando muito para perceber o potencial desta tecnologia. “Em países geograficamente grandes, a telemedicina já se provou como uma ferramenta importante. Falo no livro sobre exemplos da Austrália e Canadá, que conseguiram alcançar comunidades difíceis em áreas não urbanas e rurais. Os médicos no Brasil ainda têm ressalvas com a telemedicina, mas você pode olhar em todo o mundo, as evidências mostram que médicos nos EUA, no Reino Unido, no Canadá, na Austrália, todos eles tinham reservas sobre isso há dez anos, mas não mais”, completa.

Hoje apenas 40% dos países no mundo oferecem assistência universal, apesar das análises econômicas mostrarem que, no longo prazo – de 10 a 20 anos, a cada 1 dólar investido em saúde há um retorno de 7 a 9 dólares. “Isso é bom para os negócios, para a economia e para as pessoas”, diz Mark. “É uma falsa economia você pensar que se pode reduzir os gastos com saúde de uma população que está aumentando”, reforça Britnell ao mencionar o congelamento orçamentário brasileiro em 2017.

Dois mil e trinta está a apenas 11 anos de distância. Mark não acredita que conseguiremos os 18 milhões de profissionais para suprir as demandas até lá, mas sim que é possível aumentar a produtividade da força de trabalho já existente nos 20% deficitários, incluindo tecnologias e criando estratégias que envolvam todos as partes interessadas: setores públicos, privados e comunidades atendidas.

As parcerias público-privadas são inclusive uma de suas principais apostas. “Historicamente, houve desconfiança, falta de transparência e corrupção entre estes setores. Não sou ingênuo, levará tempo e precisará de muita confiança e vontade, mas não consigo pensar em muitas soluções melhores”, afirma Mark.

Outro movimento que trará benefícios é a transição do modelo de remuneração por serviço para o baseado em valor e desfechos clínicos. “Não acredito que o modelo fee-for-service, que temos Brasil, realmente obtenha o melhor da equipe de saúde. Sabemos que funciona para alguns médicos, mas não para a equipe no geral”, sustenta Mark.

“Nós sabemos que um bom trabalho em equipe produz melhores desfechos clínicos, meu livro está cheio de evidências disso. Estudos globais mostram que aproximadamente 20% do trabalho de uma enfermeira, por exemplo, é preenchendo papéis! E isso é tempo longe dos pacientes! Nós sabemos que é possível melhorar esses processos. Dessa forma, ajudaremos o Brasil e outros países a sair desse modelo ‘hospitalocêntrico’ de cuidado”, enfatiza Britnell.

O livro conta com um capítulo exclusivo sobre o sistema de saúde do Brasil. Mark elogia o Programa Saúde da Família e ressalta o quão progressivo o setor público foi com esta criação. “Há 20 anos atrás vocês [Brasil] estavam liderando o mundo, muitos países copiaram aquele modelo” e finaliza “hoje o setor privado brasileiro tem muito o que fazer para distanciar-se do modelo ultrapassado de cuidado”.





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