ANS burla lei ao impor teste de coronavírus aos planos de saúde
19/03/2020

Com a pandemia do corona vírus declarada pela OMS – Organização Mundial da Saúde –, não demorou para que se passasse a sustentar que a responsabilidade pelos custos do respectivo teste para sua detecção fosse imputado às operadoras de planos de saúde.

Não obstante o clamor público da situação, sob uma análise técnica, tal obrigação de cobertura não deveria existir.

Historicamente, tanto antes como após a Lei dos Planos de Saúde – Lei n. 9.656/98 –, situações de epidemias, pandemias, cataclismas, desastres naturais e congêneres sempre foram cláusulas de exclusão de coberturas dos planos de saúde.

Ademais, medidas de saúde pública jamais foram de responsabilidade direta das operadoras privadas, tanto que campanhas de combate a outras epidemias, como o fornecimento de vacinas à população, não têm cobertura imputada aos planos de saúde.

Até porque, diferentemente do que ocorre em outros países, conforme previsão constitucional, o Estado Brasileiro tem a obrigação de prestação de saúde integral.

Portanto, em verdade, a obrigação de custeio dos testes de detecção do corona vírus deveria recair, exclusivamente, sobre o Estado e não sobre os planos de saúde privados.

Importante lembrar que nem mesmo a figura do ressarcimento ao SUS se aplicaria ao caso, já que não há previsão de cobertura contratual nos contratos de plano de saúde para tal exame.

Por outro prisma, em recente decisão do STJ, restou pacificada a natureza taxativa do rol de procedimento da ANS, ou seja, a não obrigatoriedade de cobertura de procedimentos que não tenham expressa previsão.

A adoção de medidas circunstanciais no âmbito regulatório, como por exemplo, a criação de DUT – Diretrizes de Utilização – sobre cobertura de procedimento inexistente ou antecipação de atualização do rol de procedimentos obrigatórios da ANS, feita a cada dois anos, fere princípios legais.

Outra questão relevante é a reação da grande massa populacional diante de situações de epidemias. Se forma um desespero geral que, sob a garantia de ausência de custo para o beneficiário do plano, provoca utilização desenfreada e sem efetiva necessidade ou correta indicação médica, congestionando os centros diagnósticos e provocando colapso e deficiência dos recursos para os casos com efetiva indicação.

O desiquilíbrio da equação econômica financeira do contrato de planos de saúde será uma realidade, pois com pouca oferta e grande demanda os respectivos custos dos referidos testes serão inflacionados, causando grande abalo na capacidade assistencial para os demais usuários do sistema de saúde privada.

Não é razoável impor mais essa obrigação não contemplada nos cálculos atuariais, que lastreiam os preços dos contratos de planos de saúde, para atender uma necessidade circunstancial, sob pena de abalo do sistema de assistência privada como um todo.

Portanto, cabe ao Estado editar e fiscalizar protocolos de correta elegibilidade para a realização dos referidos testes, bem como arcar com os custos de sua operacionalização.

Sobre o autor

Fernando Bianchi é especialista em Direito Médico, sócio do Miglioli e Bianchi Advogados





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