Fortalecer o SUS será essencial para a segurança sanitária
25/05/2020
A pandemia da doença provocada pelo novo coronavírus, SARS Cov-2 (covid-19), fez a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) ser reconhecida de maneira inédita no Brasil. A crise política e econômica vivida no país somada à atual gestão federal tem agravado os problemas do SUS e deteriorado áreas de bom desempenho. A análise da resposta brasileira à epidemia e a comparação com outros países podem ser um ponto de partida para identificar o que deve ser corrigido no SUS pós-covid.
 
Apesar de precoce, a avaliação das medidas adotadas pelos países no enfrentamento à covid-19 revela que aqueles cujos sistemas de saúde concentraram ações na assistência hospitalar entraram em colapso devido ao rápido crescimento do número de pacientes graves em UTI. Em oposição, os que combinaram intervenções de saúde pública para diagnosticar precocemente e isolar casos infectados e, em paralelo, preparam a rede assistencial, da atenção básica ao hospital, obtiveram melhores resultados.
 
 
Desde o registro dos primeiros casos da covid-19 no mundo até a sua chegada ao Brasil, houve quatro meses para preparação. Por um lado, a transparente condução do Ministério da Saúde alertou para os riscos da doença e sensibilizou grande parte da população. Mesmo com a oposição do presidente da República, uma inédita quarentena foi estabelecida no país. O distanciamento social reduziu a velocidade da transmissão da doença em várias regiões.
 
 
Por outro lado, o tempo de preparo não foi suficiente para fortalecer a rede assistencial do sistema de saúde. Responsável pela coordenação nacional do SUS, o Ministério da Saúde não conseguiu organizar em tempo hábil a aquisição e distribuição de equipamentos de proteção individual (EPI), testes diagnósticos e respiradores - produtos básicos para enfrentar essa epidemia. Tampouco tomou iniciativas para aprimorar bases de informação e a regulação do acesso a leitos de UTI nas regiões de saúde - instrumentos essenciais para a gestão do SUS diante dessa situação.
 
O protagonismo do Ministério da Saúde para alertar para os riscos da pandemia e a incompetência para preparar o SUS na resposta à covid-19 retratam, parcialmente, fortalezas e fragilidades do sistema de saúde brasileiro.
O SUS e políticas como a Estratégia Saúde da Família e o Programa Nacional de Imunizações são reconhecidos internacionalmente pela abrangência e pelos resultados alcançados. Tão importante quanto, porém menos visível, é o sistema de vigilância em saúde. Fortalecido pelo SUS, foi essencial para a melhoria de indicadores de saúde, como a queda da mortalidade infantil ocorrida no país até 2015.
 
Equipes da vigilância também coordenam a preparação do país para enfrentar emergências em saúde pública. A boa resposta em epidemias anteriores - como influenza, em 2009, e zika, em 2015 - e a transparência nas primeiras informações da covid-19 devem-se a esses técnicos do SUS.
 
Entretanto, a implementação do SUS foi incompleta e suas fragilidades agravaram-se nos últimos anos. Diferentemente de países em que reformas em sistemas de saúde foram conduzidas pela ação de Estado para aperfeiçoar gastos e melhorar a situação de saúde, a reforma sanitária brasileira nasceu da luta social pela democracia e ampliação de direitos sociais. A definição da saúde como direito universal e dever do Estado na Constituição brasileira permitiu a criação do SUS, mas não foi suficiente para implementá-lo de forma plena.
 
O Brasil é o único país com sistema universal de saúde em que o gasto privado em saúde é superior ao público: 58% do total. Esse problema não foi resolvido mesmo nos períodos de maior crescimento econômico e desenvolvimento social. Desde 2015, restrições fiscais têm comprimido ainda mais os recursos federais da saúde. O sub-financiamento impede a implementação e manutenção de programas essenciais para a saúde pública em todo o país.
A frágil governança para organizar regiões de saúde e coordenar serviços privados é outro problema estrutural do SUS. A descentralização da gestão para os municípios capilarizou a rede básica de saúde, porém dificultou a implantação serviços de maior complexidade, que se concentram em poucos centros urbanos e no setor privado.
São problemas não resolvidos no SUS a precária infraestrutura hospitalar, pois 70% das regiões de saúde não dispõem de leitos de UTI suficientes mesmo em situação de normalidade; a dependência tecnológica na produção de produtos para saúde, de EPI a respiradores; e a má distribuição de profissionais de saúde, da atenção básica à hospitalar e especializada. A escassez de recursos, estratégicos para enfrentar a pandemia, aumenta a vulnerabilidade do país.
Mesmo distante do fim, a pandemia covid-19 deixa ensinamentos. Salvo exceções de certos Estados e municípios, o Brasil será infelizmente exemplo do que não deve ser feito. Diante do agravamento da crise econômica e social, num país empobrecido e desigual, a demagogia política passou a disputar o comando da condução técnica.
Sem que a epidemia tenha sido adequadamente tratada, e mesmo com o sistema de saúde já em colapso em alguns Estados, o retorno das atividades econômicas e sociais sem planejamento passou a ser irresponsavelmente estimulado. E tal opção coloca em risco os esforços iniciais para diminuir a pressão de demanda sobre o SUS.
Por outro lado, experiências exitosas de países devem servir de exemplo a ser seguido. Além da ação de governos e do engajamento da sociedade civil, é fundamental dispor de um sistema de saúde com boa capacidade de governança, robustos sistemas de informação para suporte à decisão, profissionais de saúde especializados em diferentes áreas de atuação, e infraestrutura assistencial e tecnológica adequada para realização de ações de prevenção, tratamento e recuperação. Esses países estarão mais bem posicionados para o retorno a atividades sociais e econômicas.
 
Que a dureza dessa pandemia nos sirva de lição. Fortalecer o SUS pós-covid é essencial não só para melhorar a saúde, mas para otimizar o uso de recursos, garantir segurança sanitária e manter a atividade econômica no país. Um SUS forte deve ter base na ciência e, sobretudo, na solidariedade - a alma dos sistemas universais de saúde.
Adriano Massuda é médico sanitarista, professor FGV-EAESP, pesquisador-visitante na Harvard TH Chan School of Public Health
 
 
Fonte: Valor




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