Devemos nos preparar para outros surtos, diz líder da vacina de Oxford
22/07/2020

No artigo publicado anteontem na revista The Lancet com os primeiros resultados da promissora vacina da Universidade de Oxford contra a covid-19, o nome de Pedro Moreira Folegatti aparecia com destaque como autor principal.

Líder clínico dos estudos do imunizante no Reino Unido, Folegatti é um médico infectologista brasileiro de 34 anos, nascido em São Paulo, que, ao mudar-se para o Reino Unido, há seis anos, se especializou no desenvolvimento de vacinas para doenças emergentes.

Em entrevista ao Estadão, ele contou que seu grupo de pesquisa trabalha sempre se preparando para a próxima epidemia, mas confessa que a pandemia do coronavírus alcançou magnitude que ninguém esperava. “A gente espera que, depois disso tudo, tenhamos mais investimento em pesquisa para que a gente possa se preparar de uma forma mais adequada para a próxima pandemia”, destaca.

Como você foi trabalhar na Universidade de Oxford e acabou envolvido na pesquisa da vacina contra a covid?

 

Sou médico, minha formação toda foi no Brasil. Me formei em 2009 na Faculdade de Medicina do ABC, fiz residência em infectologia no Instituto Emílio Ribas. Trabalhei em diversos hospitais em São Paulo até setembro de 2014, quando me mudei para o Reino Unido para fazer um mestrado em saúde pública. Quando concluí o mestrado, surgiu a oportunidade de trabalhar para o Jenner Institute (da Universidade de Oxford) para um programa de influenza. Depois surgiu a oportunidade de trabalhar nessa mesma plataforma de vetor viral que a gente vem testando as vacinas para o coronavírus, mas contra outras doenças. Já estou aqui há quatro anos.

Essa plataforma de vetor viral é aquela que usa uma parte do adenovírus (causador de resfriado) para carregar um gene para o coronavírus?

Isso, a vacina é baseada num adenovírus de chimpanzé. A gente deleta os genes responsáveis pela replicação. O que a gente faz é trocar esses genes por outros genes que vão levar proteínas de quaisquer outros vírus ou patógenos que a gente quiser gerar proteção. Nesse caso, a gente troca os genes de replicação do adenovírus por genes que vão codificar proteínas da superfície do coronavírus atual.

Quais são as vantagens e incertezas de trabalhar com uma plataforma inovadora?

A vantagem é que a gente consegue produzir vacina mais rápido utilizando o mesmo molde e trocando só o antígeno, que é o pedaço que a gente espera que vá induzir resposta imune. A dificuldade é que é uma tecnologia que ainda não é utilizada em larga escala, então existem muitas dúvidas sobre como será o registro.

 

Qual é sua a função específica na pesquisa?

Meu papel é um pouco variado, desde a concepção e o desenho do ensaio clínico e execução do projeto como um todo. Oficialmente, eu sou o clínico responsável pelo projeto, então meu papel é garantir o seguimento da segurança desses voluntários.

E como tem sido sua rotina?

A rotina é (trabalhar) sem hora para entrar, sem hora para sair, fim de semana, feriado. Eu acordo umas 6 horas, venho para o escritório, saio umas 18 horas e continuo trabalhando em casa, madrugada adentro. Durmo uma média de quatro horas por noite.

Como vocês reagiram quando viram que os primeiros resultados eram animadores e como se preparam para as diferentes possibilidades da fase 3, inclusive não ter o resultado esperado?

Ciência é muito sobre tentativa, erro e acerto. Então, sim, a vacina é bastante promissora, é capaz de induzir uma resposta imune que a gente considera uma boa resposta dos anticorpos capazes de neutralizar o vírus, mas não se sabe se isso é suficiente para prevenir a doença. Como tudo na vida, existe uma chance de a vacina não dar certo, mas a gente tenta manejar tanto as nossas expectativas quanto as do público geral. Mas todo mundo está bastante confiante.

 

Você faz parte de um grupo que estuda patógenos emergentes. Vocês já fazem pesquisas se antecipando a novas doenças? Imaginava enfrentar uma pandemia dessa?

A comunidade científica internacional vem se preparando para enfrentar uma epidemia de uma doença X. Agora, que essa epidemia fosse ter as dimensões e o impacto global que teve, isso pegou todo mundo de surpresa.

As outras epidemias recentes, como Ebola e zika, castigaram mais os países em desenvolvimento. O fato da pandemia de covid atingir todos os países vai mudar a visão sobre a importância do investimento na ciência?

Sempre houve interesse da comunidade científica internacional de estudar essas doenças, mas o que sempre faltou foi financiamento. A gente espera que o mundo tenha compreendido com essa última pandemia que o que acontece na China, por exemplo, tem impacto quase que imediato no Brasil, nos Estados Unidos, no mundo inteiro. A gente espera que, depois disso tudo, tenhamos mais investimentos em pesquisa para que a gente possa se preparar de uma forma mais adequada para a próxima pandemia. Essa não foi a última.

Fonte: Exame




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